quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Feminina

Ah meu senhor!
Perdoa-me
Por não poder cobrir a minha vergonha
Das coxas
Que tanto tens por objeto
Que tanto se vangloria
Da propriedade.
Mas é na minha carne podre e subversiva
Que rompo a noite 
Discurso à dentro
Chicotando o padre e o juiz

Perdoa-me
Pela indigna condição
De mulher errante
Amante e depravação
Que da boca
Camisa revolta
Perdoa-me...
Grande senhor dos olhos de máquina
Por não ser puta tua

Te compraz
As manchas históricas
Do fogo mais tórrido
E tenta prender-me
Com tuas leis insanas.
Nas capas de revista
Pormenorizadamente
Carregada de símbolos
Do carimbo do diretor.

Perdoa-me
Por querer ser puta da minha própria sexualidade
Por dizer que gozo
Perdoa este demônio
Da vontade própria
De querer ser
Quantas eu quiser
Perdoa a sujeira do meu sangue!
Perdoa-me por não te servir 
Com açúcar e com afeto
Perdoa este meu crime de ser mulher
E com toda ironia mina
Te cuspo brasa
E rejeito teus valores doentes
Descarto o papel secundário que me destes
No teu livro de conduta
E nos teus comerciais
Da beleza
Da burrice
De mídia medíocre.
Perdoa-me!


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Poema novo

Sensibilizada olhei para mim
Como quem olha a própria morte
Braços dados com a vida
Numa fúria de estrelas perplexas
Divagando o tempo
No dorso noturno do céu
Sensibilizada...

Vento e ladeira
Íngreme lembrança
Dum sonho visto pela metade
As paredes de geléia
E muito discurso
O ato mais humano
Letárgico
O cheiro da chuva chegando
Na impaciência
Noutra face a passionalidade das horas
A fumaça dos automóveis
Numa cidade onde a poeira
Encobre o chão raso
Disfarço a preguiça
Os corpos caindo longe do pensar
A tinta escorre larga e azul
Nos dedos
Sangue bom de alma pura
A imagem do poeta
Escrevendo à noite
Cercado de intensões

Queremos dormir
E divagar
Num repouso
Imerso em si
Quando fecha os olhos
Mil cacos de vidro
Dançam tontos

Sensibilizada
Descanso o braço
No braço do abraço
Do sofá
Que não cansa nunca
É escravo do senhor
E do escravo
É um corpo morto
Em madeira
Larga escala
Ouço dizer que a sombra
Perambula trêmula
Poema novo Cinema velho
E que as lembranças tem corpo
Que a memória é o que fica para a vida
E da estrada, é o prazer e a dor


Sensibilizada
Olhei para ti
De cara limpa
Na tal estrada
Sem automóvel controle
100 palavras
Sem discurso
Tinha a noite
Um par de sapatos
Um filme tosco
Auto-retrato, luz fosco
A estrada espelho
Quer te engolir
Que ser
O chão é de pedra mole
A maria-mole
Sensibilizei-me com a estrada
Ao saber viajante
No fim da estrada
E que sua roupa
Era Prada.